PT 03 - ADOLESCÊNCIA - O QUE VOCÊ REALMENTE PRECISA SABER
Depois de entender o cenário, chegou a hora das respostas. E, principalmente, da reconexão.
Este conteúdo está disponível nas versões texto e áudio.
Ao longo das últimas semanas, abordamos aqui assuntos desconfortáveis — temas que nos obrigam a encarar de frente problemas cada vez mais presentes nas manchetes dos jornais e que viralizam nas redes sociais. Ao mesmo tempo, em conversas e aconselhamentos com pais e mães, percebemos que muitos vivem com a sensação de que, em sua casa, tudo está sob controle.
Infelizmente, a grande maioria só tem dimensão da realidade em que seus filhos estão inseridos quando o problema arromba a porta. A percepção crescente dos casos de violência — seja ela física ou psicológica — tem nos mostrado o gigantesco dano causado pelo acesso permissivo às redes sociais e plataformas de jogos que promovem conexão direta, fóruns, troca de mensagens ou chats. Tudo isso é real, e precisamos saber nos posicionar a esse respeito.
Contudo, mesmo diante de crianças e adolescentes sendo manipulados, ludibriados, recrutados e vitimados, acreditamos que a principal e mais poderosa ação de proteção que podemos tomar é começar a nos perguntar:
Por que nossos filhos estão mais conectados e envolvidos com o que encontram online do que conosco?
Como perdemos nossa conexão com eles?
O que precisamos resgatar?
Que atitude podemos tomar que nos ajude, de fato, a reverter esse quadro?
Para chegarmos a essas respostas, hoje vamos abordar:
A PORNOGRAFIA COMO FATOR CATALIZADOR DA VIOLÊNCIA ENTRE OS MAIS JOVENS.
CONSEQUÊNCIAS COMPORTAMENTAIS.
COMO MUDAR ESSA REALIDADE.
SINAIS DE ALERTA PARA OS PAIS.
Lembre-se:
As informações a seguir podem soar alarmantes. Porém, conhecê-las é fundamental para combatermos juntos a violência e o bullying.
A boa notícia é: há solução.
Ela é possível e alcançável.
Boa leitura.
A PORNOGRAFIA COMO FATOR CATALIZADOR DA VIOLÊNCIA ENTRE OS MAIS JOVENS.
A pornografia vem atuando como "educadora silenciosa" da sexualidade masculina há décadas, especialmente a partir dos anos 80, ganhando ainda mais força nos anos 90 com canais pagos, locadoras de vídeo e evoluindo com a popularização da internet - fato que revolucionou o acesso à pornografia, tornando-a incrivelmente fácil, barata e anônima. Um bom exemplo dessa época é o seriado “Friends”, icônico até os dias de hoje, nele dois personagens muito queridos, Chandler e Joey, eram porta vozes de uma geração que consumia e falava de pornografia como quem é fã de Star Wars.
Com o aumento do consumo online, a indústria da pornografia passou a produzir conteúdos cada vez mais explícitos, violentos e com representações menos realistas das interações sexuais. E isso não ocorreu por acaso, estudos e análises sérias apontam uma relação direta entre forma de consumo, escalada de conteúdo e degradação moral no consumo da pornografia. Assim como ocorre em outras formas de vício comportamental, seu consumo frequente pode gerar uma necessidade crescente de estímulos mais intensos ou extremos para alcançar o mesmo nível de excitação.
Essa é uma industria bilionária, que lucra ao promover e ensinar, basicamente, que sexo é sobre domínio, performance, prazer imediato, ausência de conexão emocional e que não há limites quando há desejo.
Foi somente a partir de 2010 que começamos a dar maior atenção às pesquisas científicas que comprovam os efeitos negativos do seu consumo. E elas alertam: pornografia vicia, aumenta a tolerância e o estimulo à violência, gerando impactos negativos à saúde mental, emocional, nos relacionamentos e na percepção da sexualidade.
Nossa relação cultural com a pornografia é tão forte que, em 2018, uma pesquisa realizada no Brasil a pedido de um canal adulto constatou que 22 milhões de brasileiros adultos consumiam pornografia, sendo 76% deles homens. Entre as justificativas apontadas estavam: vontade de se sentirem livres, aprender novas posições e lidar com carências ou desilusões afetivas.
Se esses são os motivos dos adultos, imagine para os adolescentes, naturalmente curiosos e em fase de descoberta sexual. Com os estímulos promovidos pela cultura da hipersexualização, o poder de atração se intensifica. Tanto que agressores sexuais usam esse tipo de conteúdo como isca para atrair crianças e adolescentes — que, com acesso livre à internet (especialmente os meninos), encontram na pornografia sua principal fonte de informação e educação sexual.
E então, veio a pandemia! E com ela um aumento de 600% no acesso a sites pornôs. Nesse mesmo período, em 2019, no Brasil, de acordo com a pesquisa TIC Kids Online, 18% dos meninos, entre 9 e 17 anos, viram alguma imagem ou vídeo de conteúdo sexual na internet; 20% deles receberam mensagens de conteúdo sexual; e 13% das meninas, entre 9 e 17 anos, já haviam recebido algum pedido para enviarem fotos ou vídeos íntimos.
Em 2024, a ONG ChildFund Brasil divulgou os primeiros dados de uma pesquisa inédita sobre as "Vulnerabilidades de Adolescentes do Brasil na Internet". Eles mapearam registros de abusos e exploração sexual no mundo digital e concluíram que 1 a cada 3 adolescentes do país já sofreu algum tipo de agressão sexual online. Dos mais de 8 mil estudantes de até 18 anos entrevistados por eles em todos os estados do país, 20% já receberam ou se depararam com conteúdo inapropriado; enquanto 10% foram aliciados através do envio de pornografia infantil. Tem mais, 25% dessas vítimas afirmaram que os contatos com o agressor começaram através de jogos online.
Entre os fatores que influenciam a vulnerabilidade está o gênero: a maior parte das vítimas são meninas mais jovens ou adolescentes que não se identificam com os gêneros feminino ou masculino.
Já quando o assunto é a violência sendo praticada entre adolescentes, percebe-se como a pornografia é eficiente em naturalizar a violência, o abuso e a objetificação do outro, além de promover a banalização do impacto emocional.
Estamos falando de conteúdos que retratam relações marcadas por violência, submissão, degradação, práticas extremas e ausência de afeto. Como resultado, cresce a aceitação da violência sexual e de relações desiguais. Promove-se a dessensibilização, a tolerância a violência, a degradação moral - que torna aceitável o inaceitável, fazendo com que adolescentes passem a ver o outro apenas como objeto de prazer.
Sem falar na dependência psicológica, na normalização de discursos e justificativas para a cultura do estupro e a violência de gênero.
Como você pode concluir, está é uma questão cheia de camadas - e que piora com a chegada do discurso de dinheiro fácil com a erotização e a prostituição digital. Plataformas como OnlyFans e outras de conteúdo adulto prometem muito dinheiro, estimulando adolescentes e pré-adolescentes a entenderem a venda de conteúdo íntimo como algo natural, rentável e criativo.
E, claro, as consequências são danosas.
CONSEQUÊNCIAS COMPORTAMENTAIS
Como é possível perceber ao longo do que apresentamos nesses 3 artigos, todas essas “causas” geram consequências comportamentais que se tornaram um grande nó… difícil de desatar. Promovendo um ciclo que se retroalimenta da seguinte forma:
→ Meninas são levadas a se erotizar cedo.
→ Isso é visto como normal e até desejável.
→ Meninos, expostos à pornografia, esperam esse tipo de comportamento.
→ A pressão sobre as meninas aumenta.
→ Meninas replicam o que esperam delas, por medo da rejeição ou desejo de aceitação.
→ Meninos se tornam dessensibilizados ao respeito e ao consentimento real.
→ Meninas aderem à lógica da sexualização como forma de validação ou pertencimento.
E o ciclo continua, gerando:
→ Problemas de autoestima e imagem corporal, devido à comparação com padrões irreais;
→ Objetificação do próprio corpo e do corpo alheio;
→ Desenvolvimento de inseguranças; causadas pela pressão para se adequar a padrões de beleza sexualizados que podem evoluir para ansiedade, baixa autoconfiança e sentimentos de inadequação.
→ Distorção da sexualidade e dos relacionamentos a partir do acesso a conceitos distorcidos sobre sexo.
→ Dificuldade de desenvolver laços afetivos saudáveis;
→ Normalização de comportamentos de risco e exploração, banalizando os riscos e a percepção dos jovens sobre limites e consentimento.
Tudo isso, acessível em suas mãos ao toque do celular, ou em seus quartos, diante de seus computadores, graças à internet — seja em redes sociais, sites, jogos, chats ou aplicativos como WhatsApp e Telegram.
Como consequência, tudo isso valida o bullying e nos faz ver com maior clareza porque temos lidado com índices de adoecimento mental cada vez maiores, que resultam em:
→ Ansiedade e depressão.
→ Isolamento social.
→ Problemas de identidade.
→ Automutilação e suicídio.
→ Vício em telas ou pornografia.
Como resultado geral, estamos permitindo que nossos jovens tenham que lidar com um tipo de adultização precoce e doentia, que lhes rouba a infância e a adolescência, causando danos e dificuldades de adaptação para todas as diferentes fases das suas vidas.
COMO MUDAR ESSA REALIDADE
A resposta é simples de dizer, mas difícil de aplicar.
Falamos de causas que estão na raiz da cultura atual e invadem os lares todos os dias. É preciso ressaltar: redes sociais são danosas. Sabemos disso e precisamos de ajustes. Contudo, mesmo que leis sejam criadas ou novas regras impostas, ainda continuaremos a enfrentar grandes desafios, pois todos estamos imersos nesse mesmo contexto social.
Portanto, antes de tudo, é fundamental reconhecer que o que nossas crianças e adolescentes procuram online é aquilo que não encontram dentro de casa: acolhimento, afeto, pertencimento, reconhecimento, atenção, identidade.
Portanto, somos nós, pais, que primeiro devemos assumir a responsabilidade de estabelecer limites, tanto no mundo virtual quanto no real. Em aconselhamentos com pais — tanto de vítimas quanto de agressores que vivenciam o bullying — ouvimos repetidamente: "eu conheço meu filho(a)". Infelizmente, quando a realidade é exposta ela se impõe, e a dor é enorme para todos.
E isso acontece porque o lugar mais perigoso para uma criança ou adolescente estar não é sozinho no quarto, em frente a uma tela de um computador ou celular. O lugar mais perigoso para uma criança ou adolescente estar é fora de um relacionamento de segurança e afeto profundo com seus pais.
Nossos filhos precisam de pais dispostos a construir, desde cedo, uma relação baseada em amor incondicional, que promova de forma eficiente todo o acolhimento, disciplina e segurança que eles necessitam. Sem isso — ou sem resgatar isso — não mudaremos essa realidade.
Este tema é profundo e merece continuidade. A partir da próxima semana, iniciaremos uma nova série de matérias, entrevistas e artigos voltados a responder: COMO ESTABELECER UM RELACIONAMENTO EMOCIONALMENTE SAUDÁVEL E SEGURO COM NOSSOS FILHOS.
SINAIS DE ALERTA PARA OS PAIS.
Sinais comportamentais, isolados ou combinados, merecem atenção e pedem mais da presença parental próxima e atenta. A relação com as redes sociais e tudo que envolve a vida online, principalmente quando a criança ainda nem consegue entender bem o contexto em que está inserida, tende a provocar angústias internas não compreendidas, culpa, ou um excesso de estímulo que o cérebro infantil não processa bem. E isso tende a gerar mudanças emocionais bruscas ou excessivas, que podem ser percebidas em forma de:
Irritabilidade constante ou explosões desproporcionais.
Apatia, desânimo, tristeza frequente sem causa aparente.
Dificuldade de concentração e memória.
Ansiedade elevada ou crises de pânico.
Isolamento emocional: não compartilha mais nada.
Outro ponto de atenção comportamental é quando escondem o que veem. O que pode ocorrer não só pela noção de algo inapropriado como também quando já estão em uma espécie de “vida paralela” online, onde performam para serem aceitos. Em situações como essa, observe se seu filho(a):
Apaga histórico de navegação com frequência.
Navega compulsivamente, especialmente à noite.
Tem reações defensivas ou agressivas ao ser interrompido no uso do celular ou em jogos online.
Cria perfis secretos, muda senhas constantemente.
Passa a usar emojis, gírias ou códigos de cunho sexual.
Quando o desenvolvimento emocional está sendo atravessado por modelos distorcidos de amor, afeto e desejo, muitas vezes absorvidos pelo conteúdo mais sexualizado contido em redes sociais, percebe-se:
Medo ou vergonha súbita do próprio corpo.
Evitar conversas sobre sentimentos ou intimidade.
Envolvimento precoce ou confuso em “relacionamentos”.
Uso de roupas sensuais (incompatíveis com a idade) sem entender o impacto.
Gestos, poses, dancinhas e falas sensuais comuns em redes sociais.
Por fim, redobre atenção se perceber:
Queda no desempenho escolar sem causa aparente.
Mudança súbita no grupo de amigos.
Medos noturnos, insônia ou sonolência excessiva.
Comentários que demonstram baixa autoestima, culpa ou vergonha do próprio corpo.
Perda de interesse por atividades que antes gostava.
Todos estes sinais de alertas, que podem até parecer óbvios para alguns, tem acontecido diariamente em diversos lares. Debaixo do nariz de pais e mães que não conseguem percebê-los corretamente. Muitos os veem, mas demoram a compreender do que se trata. Outros os percebem mas não conseguem dialogar de forma eficiente com seus filhos. E há aqueles que, infelizmente, não dão a devida atenção.
Os tempos mudaram, nossos filhos seguem expostos a um mundo louco, malicioso, confuso em valores. É nossa a responsabilidade de ensiná-los a lidar com tudo isso.
POR FIM, REFORÇAMOS
Se não investirmos na qualidade dos relacionamentos familiares, não conseguiremos resgatar essa geração dos danos emocionais e identitários no qual ela se encontra. É em casa que precisamos aprender a nomear nossas emoções, a nos sentirmos validados e valiosos.
Esperamos ter contribuído para ampliar sua visão sobre esse tema tão urgente. Que essas informações sirvam não apenas para o seu esclarecimento, mas como um convite à ação.
A partir da próxima semana, vamos mais a fundo em como curar nossas relações familiares. Essa é a resposta que mais precisamos!
Agora, conta pra gente: qual a sua opinião sobre tudo isso?
Nosso conteúdo tem como objetivo promover laços familiares mais fortes e preparar a próxima geração para os desafios futuros, respeitando a individualidade de cada família.
Se você está enfrentando dificuldades e quer tirar dúvidas a respeito, entre em contato. Se você conhece alguém que precisa ter acesso a essas informações, compartilhe esse artigo. Basta clicar no botão abaixo.
Nos vemos na próxima semana.
Até lá!