ADOLESCÊNCIA - O QUE VOCÊ REAMENTE PRECISA SABER
Após a live "Adolescência e a Violência nas Escolas", preparamos uma série de artigos para você entender melhor o contexto social que estamos inseridos e porque ele afeta tanto nossos jovens.
Este conteúdo está disponível abaixo nas versões texto e áudio.
Este é um tema tão profundo que decidimos abordá-lo através de uma série de artigos em texto e áudio. Sim, criamos a nossa própria série! Para tanto, este conteúdo será dividido em três partes. Nesta primeira, vamos falar sobre:
O QUE A SÉRIE, DE FATO, NOS PROPÕE.
A URGENTE NECESSIDADE DE ENTENDER COMO CHEGAMOS A ESTE CENÁRIO SOCIAL.
A EVOLUÇÃO DO AMBIENTE DIGITAL.
O PERFIL DO AGRESSOR.
Na próxima sexta-feira, dia 11/04, abordaremos:
O PERFIL DA VÍTIMA.
A VIOLÊNCIA E O BULLYING NAS ESCOLAS DO BRASIL.
A DESSENSIBILIZAÇÃO SOCIAL - ASPECTOS CULTURAIS.
A PROMOÇÃO DA HIPERSEXUALIZAÇÃO E SUA RELAÇÃO COM O BULLYING.
Por fim, no dia 18/04, falaremos sobre:
A PORNOGRAFIA COMO FATOR CATALIZADOR DA VIOLÊNCIA ENTRE OS MAIS JOVENS.
CONSEQUÊNCIAS COMPORTAMENTAIS.
SINAIS DE ALERTA PARA OS PAIS.
COMO MUDAR ESSA REALIDADE.
Ao longo de cada um desses artigos, vamos compartilhar fatos, contextos e informações que ampliarão sua visão sobre o tema e lhe ajudarão, sem sensacionalismo, a compreender melhor a realidade que nos cerca.
As informações a seguir podem lhe soar alarmantes. Porém, conhecê-las é fundamental para combatermos juntos a violência e o bullying que tem causado tantos danos a esta geração.
A boa notícia é: há solução. Ela é alcançável e possível.
Boa leitura.
O QUE A SÉRIE, DE FATO, NOS PROPÕE
A série “hit”da Netflix, “Adolescência”, vem cumprindo seu papel de despertar a sociedade de forma global para uma discussão mais profunda sobre como a violência e o bullying estão atingindo nossos adolescentes.
É interessante destacar que em meio ao crescimento do debate sobre o conteúdo da história, Stephen Graham, criador da série, co-roteirista ao lado de Jack Thorne, e ator - ele faz o papel do pai - declarou repetidas vezes que um dos seus objetivos ao escrever esta história era perguntar: O que está acontecendo com nossos jovens hoje em dia e quais são as pressões que eles enfrentam de seus colegas, da internet e das mídias sociais?
Jack Thorne, que também assina o roteiro da série, declarou: "Eu realmente espero que essa seja uma série que mostre que Jamie - personagem principal - se tornou assim por uma série de fatores complexos".
Ao não apontar uma justificativa única e fechada para a violência cometida, seu objetivo é cumprido e nos convida à reflexão sobre a influência dos pais, das escolas, do contexto social, das redes sociais, dos influenciadores e dos amigos na vida de um adolescente. O que está acontecendo de fato? Como devemos lidar com isso? É sobre a composição dessa teia social que falaremos a seguir.
COMO CHEGAMOS A ESTE CENÁRIO SOCIAL
O acesso às telas se tornou o grande vilão, mas antes de apontar para isso como único fator, todos nós devemos percebê-lo como consequência de um desdobramento de fatores que nos trouxeram até aqui.
O que vivemos hoje é reflexo do que temos construído socialmente ao longo da nossa história. Se nas últimas décadas estamos tendo que lidar com uma geração adoecida, cujo comportamento social tem se tornado cada vez mais difícil de gerir, precisamos assumir que crianças e adolescentes aprendem com os adultos - sejam pais, responsáveis ou outros. É a partir do que entregamos que eles entenderão como devem ver a vida e que valores definirão sua visão de mundo.
Já a escola, precisa ter a capacidade de lidar com os problemas atuais, constituindo protocolos eficientes e bem definidos quanto à violência e ao bullying. Entretanto, apesar de ter uma importante participação colaborativa na construção do conhecimento, não é dela a responsabilidade primordial da educação do indivíduo. A ela, cabe a cobrança quanto a sua capacidade de gestão, disciplina e respeito entre alunos, educadores e famílias.
Sabemos que o bullying não é um problema recente. Contudo, com a chegada da internet, o cenário da violência foi redimensionado em amplos aspectos. É preciso ter em mente que, se hoje, as redes sociais deixassem de existir, agressores e recrutadores que promovem todo tipo de violência e comportamentos nocivos continuariam a atuar explorando brechas emocionais e comportamentais pré-existentes.
Outros dois pontos se destacam nesse contexto: a atual hipersexualização cultural na qual estamos inseridos e o acesso irrestrito à pornografia.
Cada um desses pontos será abordado ao longo dessa entrega. Hoje, começaremos indo mais à fundo no ambiente digital.
O AMBIENTE DIGITAL
A Internet não gerou a violência mas abriu novos caminhos, deu uma projeção maior a discursos distorcidos e tornou possível aos seus agentes entrarem com muito mais facilidade dentro dos nossos lares. O ambiente online é ilimitado e não se restringe às redes sociais. Portanto, quando uma criança ou adolescente tem acesso a internet, seja em seu computador ou smartphone, ela está inserida em um universo paralelo, onde, facilmente, certo e errado são hiper relativizados.
Se hoje chegamos a esse ponto, assim o fizemos porque normatizamos comportamentos que antes nos pareciam inofensivos. O acesso às telas começou décadas atrás com a chegada da televisão. Depois, os videogames surgiram e com eles também começamos a ouvir sobre os casos de dependências de tela. E, à medida que a violência no mundo offline crescia, a chegada dos games e da internet fez parecer que quanto mais opções de entretenimento tínhamos em casa, mais seguras nossas crianças estavam.
Fomos nós que abrimos as portas para o acesso digital, permitindo a entrada de crianças e adolescentes em um mundo irrestrito de informações e possibilidades. Isso não começou com o celular. Antes dele, os jogos online passaram a ser pontes de conexões globais. E, se com a evolução dos algoritmos foi desencadeada uma guerra por reter atenção, tudo isso passou a promover os mais diversos tipos de influências sociais.
Crianças e adolescentes precisam de um norte seguro de aprendizado e validação. Seus filtros são estabelecidos a partir do que aprendem dentro ou fora de casa, com quem esteja disposto a ensiná-los ou condicioná-los. Quanto mais jovens, mais fáceis de serem manipulados no ambiente digital por todo tipo de conduta desrespeitosa ou comportamento de risco, seja ele violento, sexualizado precocemente, pervertido ou até promovedor de substâncias entorpecentes.
Como muitos jovens se sentem deslocados, solitários, incompreendidos, desamparados ou mau tratados, ao se depararem com argumentos que parecem atender seus anseios - mas que os induzem a acreditar no discurso de "vítima versus opressor" - parte desse público se torna presa fácil para diversas práticas degradantes, como os discursos de ódio que migraram da deep web para a internet.
E se antes isso acontecia escondido e acessível a poucos, hoje está presente em plataformas como Discord, Telegram, 4chan, Instagram, Reddit e até TikTok, dentre outras. Assim, essas redes passaram também a servir como canais para abusos sexuais, recrutamento, distorção emocional, indução à ações autodestrutivas e convencimento à radicalização. As formas de captação são alinhadas aos interesses de cada idade, podendo começar de forma lúdica com desafios, piadas e linguagem acessível. Pode parecer inocente, e até ser em um primeiro momento, para depois agir de forma danosa.
Enquanto a série da Netflix destaca a linguagem digital invisível aos olhos dos adultos e os discursos misóginos, que distorcem a masculinidade, especialistas apontam que no caso da linguagem oculta, símbolos, siglas e seus significados mudam rapidamente; algo em torno de a cada 3 anos.
No caso do cyberbullying, a linguagem, antes de ser visível e compreendida por nós no ambiente online, valida o comportamento do agressor que é apoiado por seus pares, que o corroboram em tom de brincadeira. Porém esse comportamento expresso online, provavelmente, já está visível de alguma forma no ambiente offline.
No caso da violência, se ela é expressa online através do discurso de ódio, da indução à entorpecentes, da promoção ou exploração sexual, os seus rastros comportamentais também são perceptíveis na vida fora da rede.
O PERFIL DO AGRESSOR
Um estudo de dados nacionais com alunos do 9º ano do ensino fundamental, publicado na revista Educação e Pesquisa, da USP - Universidade de São Paulo, volume 50, em 2024, através do artigo "Bullying nas escolas públicas e privadas: os efeitos de gênero, raça e nível socioeconômico" , mostrou que entre adolescentes, tanto na escola pública quanto na privada, os alunos de maior nível socioeconômico estão mais propensos a praticarem o bullying, enquanto os de menor nível estão mais propensos a sofrerem.
Quanto ao gênero, neste mesmo estudo, verificou-se que os alunos do sexo masculino têm maior propensão ao envolvimento com o bullying do que as meninas; seja como vítima, agressor ou vítima-agressor. Sendo os diferenciais mais expressivos nas escolas privadas que nas públicas. Já no que se refere à raça, observou-se que o envolvimento com o bullying permeia os grupos raciais em múltiplos sentidos.
Outros especialistas que atuam na linha de frente educacional, convivendo dia a dia com essa realidade, corroboram em afirmar que quanto maior o nível socioeconômico, maiores também são os índices relacionados ao consumo de álcool, drogas, promiscuidade, gravidez precoce, autoflagelo, tentativas de suicídio e traumas.
Seja no ambiente que for o agressor é hábil em exercer poder; especialmente os poderes social e emocional. O agressor tem prazer no jogo do poder. Para exercer domínio ele não se importa em machucar física ou emocionalmente. Ele tem faro para identificar aquele que é mais vulnerável, que está desprotegido da presença de um adulto, ou de alguém que o defenda. Sua régua moral é quebrada, sem freio. Ele age com intimidação desde cedo.
Há certa discordância quanto ao que leva uma criança ou adolescente a se tornar um agressor. Alguns estudiosos alegam que adolescentes que vivem em contextos de conflito, com altos níveis de comunicação negativa ou com pais autoritários, são mais propensos a exibir comportamento de bullying na escola. Ser um agressor também tem sido associado à baixa educação materna e a condições sócio demográficas desfavoráveis.
Mas há um contraponto positivo nesses casos. Crianças que crescem em lares violentos, mas frequentam uma escola com um programa antibullying e tem uma atmosfera de apoio, não se tornam necessariamente agressoras. Portanto, embora a violência doméstica e a agressão ainda que sejam fatores de risco para crianças praticarem bullying, não são a única razão. Tanto que há uma parcela dos agressores que são adolescentes que crescem dentro de famílias bem estruturadas e com bom poder aquisitivo.
É que independente do contexto socioeconômico, tendem a ser tornar agressores crianças que crescem sem a devida atenção dos pais ou que desfrutam de um ambiente de permissividade sem limites. Esse fator comportamental, de ausência de limites aliado a não observação atenta por conta dos responsáveis, tem mais peso no perfil do agressor do que o aspecto socioeconômico.
No Rio de Janeiro, por exemplo, durante 11 anos, estudiosos comportamentais que transitavam, simultaneamente, atuando em ações de combate à violência em favelas e áreas nobres, identificaram maior degradação moral na área nobre do que na favela entre os mais jovens.
O morador da favela depara-se tão diretamente com a violência e suas consequências, que, em sua maioria, busca manter distância dos espaços que a promovem, incluindo aquele que lhe cerca. A periferia também exibe o mesmo perfil, buscando manter e proteger seus valores. Já o jovem da área de maior poder aquisitivo, é facilmente conduzido a inverter esse conceito. E, nesse caso, quanto menos atenção parental recebe mais se torna vulnerável ou atraído ao comportamento de risco.
Assim, parte dos meninos que se tornam agressores, não vem de famílias violentas, nem sofreram abusos ou grandes traumas, foram apenas deixados moralmente à própria sorte. Não estavam sendo observados nem cuidados de perto. Ao avaliar o contexto familiar deste tipo de agressor, percebe-se que foram educados genericamente. Se habituaram a regras morais quebradas e não questionadas. Dessensibilizados, perderam a capacidade de serem empáticos. Relativizam certo e errado para alcançarem o que desejam, e, por não verem problema em sua conduta, sentem-se bem ao fazê-la.
Assim como em outros países, aqui no Brasil, registros também demonstram que parte dos agressores, sejam eles crianças ou adolescentes, tem características de manipulação desenvolvidas a partir de habilidades sociais positivas, como, por exemplo, carisma e liderança.
É importante destacar que o desenvolvimento dessas características que formam o agressor é processual, ninguém se torna mal em um estalar de dedos. Aquele que se tornará o agressor, seja aos 4, 5, 6 ou 10 anos, começa fazendo pequenos atos inadequados, injustos, indevidos. E, se não houver quem o corrija, quem estabeleça limites desde estes primeiros atos, sua tendência será desenvolver-se nesse sentido.
Sem ter quem lhe discipline com respeito e amor - o que não quer dizer passar a mão na cabeça ou minimizar suas ações - nada o impedirá de dar continuidade a uma conduta indevida. É preciso desde cedo ensinar que existe certo e errado, justiça e injustiça, causa e consequência para tudo o que dizemos e fazemos.
Na próxima quinta-feira, dia 9/04, no segundo episódio desta série de artigos em texto e áudio, abordaremos:
O PERFIL DA VÍTIMA
A VIOLÊNCIA E O BULLYING NAS ESCOLAS NO BRASIL.
A VIOLÊNCIA E SEUS ASPECTOS CULTURAIS.
A DESSENSIBILIZAÇÃO SOCIAL E A PROMOÇÃO DA HIPERSEXUALIZAÇÃO.
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Nos vemos na próxima semana.
Até lá!
Estar atento as atitudes da criança e corrigir a tempo, esse ponto do texto me chama muito atenção. Isso requer dos pais uma atenção redobrada. Tenho filhos em tempo integral na escola, e não adianta só ir buscar, é preciso conversar com os professores, sempre.